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Iniciando uma classe ou escola montessoriana!

Maria Montessori

(Texto divulgado no Curso Internacional de Perugia)



No início torna-se necessário um “período de preparação”, que será tanto mais difícil quanto mais as crianças pertencerem a uma classe social alta, onde não tiveram ocasião de fazer suas próprias experiências livres e foram ajudadas, continuadamente, de forma a permanecerem passivas; onde foram obrigadas a dormir demais, de modo que seus interesses intelectuais não puderam desenvolver-se em plenitude.


Quando se recebe na escola crianças de um ano e meio, esta “preparação” não se faz necessária. Também para as crianças mais pobres, a “preparação” não assume tão grande importância, porque estas tiveram ocasião de fazer as suas experiências construtivas, agindo no ambiente com mais liberdade e dormindo menos.


A primeira parte da preparação tem um objetivo que se pode dizer “curativo dos defeitos” que se encontram geralmente nas crianças – e que são graves nas crianças consideradas “difíceis”.


Estes “defeitos”, como movimentos desordenados e impulsivos, gritos, inquietações, incapacidade de prestar atenção, negativismo, desobediência e similares, resultam todos de erros de tratamento nos primeiros anos de vida, entre o nascimento e os dois anos e meio/três anos. Podem ser determinados, psicologicamente, como desvios do desenvolvimento normal, devido a várias causas desconhecidas genericamente, as “repressões”, e que se resumem nisto:


A mente permaneceu desnutrida e faltou a atividade muscular. As duas coisas – nutrição mental e atividade motora – são essenciais para obter um desenvolvimento psíquico normal. A normalidade tende a fazer unir funcionalmente as duas coisas: o movimento e a psiché. A mente deve desenvolver-se com a ajuda dos movimentos que correspondem, então, à experiência sobre o ambiente “formativo da personalidade”. No entanto, a mente que age por si mesma em um ambiente restrito (por exemplo: a creche¹), e os músculos que agem só por impulsos, independentemente de uma construção mental, dão como resultado uma personalidade fragmentada em duas partes, que de maneira nenhuma pode-se dirigir.


A ação educativa ”preparatória” deve começar da educação dos movimentos. Os movimentos desordenados devem, antes de tudo, ser convergidos para uma ordem, a fim de que, depois, a mente da criança possa dirigi-los. Uma mente desnutrida não tem a força, o poder de comandar os impulsos já estabelecidos por movimentos sem objetivo. É inútil, neste caso, dirigir-se à mente da criança com exortações e punições.


Também o material que é oferecido nestas condições não atrai a mente débil e confusa. É a gradativa relação com o meio, através de atividades devidamente planejadas e controladas, que provoca na criança um crescente ordenar-se, um desenvolver-se.

Não é o uso do material ou atividades que importa, mas a maneira de movimentar-se. Se o movimento é independente da mente e é impulsivo, não permite a realização de exercícios totais (mente e movimento) derivados de um estímulo externo (o material).


Uma classe com número excessivo de objetos ou um jardim onde se encontram muitas “chamadas” (piscinas, construções, aparelhos para ginástica, etc) em vez de ajudar o desenvolvimento, dispersa as forças, a atenção. Um acúmulo de elementos acaba por levar a criança à desordem.


Os chamados “Princípios do Método”, como: liberdade de ação, livre escolha de material, não interferência da professora não são aplicados com sucesso prático, sem que haja a preparação acima apresentada. Durante a “preparação”, tem-se só um objetivo: chegar a um ato de concentração.


Uma professora pode agir segundo sua maneira peculiar de ser e com meios comuns, porém, em verdade, ela não pode deixar de intervir e mesmo comandar. Exemplo: chamar as crianças e pedir-lhes que se coloquem em fila, quando necessário; que andem a um certo ponto da sala, transportando copos de água sem deixá-la entornar; que transportem cadeiras e objetos sob comando, etc. Os objetos e as atividades em si são comuns. Pode-se fazer construir com areia, folhear um livro de figuras sobre as quais a professora chama a atenção, desmontar objetos separando várias formas (contas de tamanhos variados, contas de várias cores, cubos e tijolinhos, grãos diversos), enfiar bolas ou anéis em uma haste, fazer construções com blocos, fazer girar as rodas de um brinquedo mecânico, atrair e fixar a atenção com um teatro de marionetes. Tudo pode ser feito com métodos comuns, desde que haja uma espécie de “preparação”, seguida de uma “educação formativa”. E a professora não pode esquecer-se de que antes de tudo, ela é o exemplo, o modelo, “espelho” para a criança.

Dentre nossos exercícios, os que se mostraram mais eficazes para preparar a concentração são: os exercícios de vida prática (como, recolocar no lugar os objetos usados, cuidar das plantas, cuidar da aparência pessoal e da limpeza do ambiente, etc), os exercícios na linha, feitos mesmo sem música, só com o objetivo de coordenar os movimentos (por exemplo: caminhar e deter-se obedecendo a um sinal, saltar obstáculos, “vagabundear com pés que vão sem objetivo”). Colocar os pés sobre a linha, avançando nos passos, chama à ordem todos os movimentos do corpo. Pode-se também ter nas mãos uma bandeirinha erguida, controlando o braço para que não se abaixe – este exercício divide a atenção entre os pés e as mãos ou o braço.


Assim, pouco a pouco, a criança se conquista através de exercícios já bem conhecidos. Utilizando bem nossos exercícios preparatórios, como os primeiros exercícios de vida prática e os exercícios de linha, os movimentos passam a ser atraídos a um objetivo e começam a ser coordenados.


A este ponto, é fácil chegar a um ato de concentração com material; e assim começa o ingresso no nosso Método, que conduz ao desenvolvimento, à expansão da potencialidade formativa.


Quando começa a concentração, a criança geralmente muda subitamente o caráter, perdendo os seus “defeitos” e apresentando-se como uma nova criança.

É o momento a que chamamos Normalização. Sem que tenha primeiro esta ordem entre as faculdades psíquicas e aquelas motoras, concentrando-as em exercícios totais que apresentam à criança um objetivo interessante, o método, mesmo bem aplicado, terá um escasso sucesso.


O método é uma ajuda à vida. Constitui-se no “Cultivo da humanidade” no período formativo do homem.


¹ Considera-se as creches em que não se faz um trabalho construtivo com as crianças, onde não há estímulos nem filtros educacionais a serem atingidos; aquelas que se constituem em meros depositários de crianças.



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