Professora de Educação Infantil desde 1998, no município de Capão da Canoa, Litoral do Rio Grande do Sul, sempre fui aquela entusiasmada, que se empolgava ao planejar as aulas, buscando novidades que pudessem potencializar o desenvolvimento da criança. Encantava-me as conquistas de cada uma, o que gostam, as perguntas extraordinárias que só uma criança sabe fazer. Trabalhava com a metodologia de Projetos e gostava de oferecer o universo de possibilidades para elas. Histórias de pessoas reais que fizeram a diferença no mundo, muita arte e diversidade de experiências. Já achava, naquela época, que não era algo bom para as crianças terem que fazer, todos, ao mesmo tempo, a mesma atividade. Então, levava diferentes objetos e vivências sobre o tema, e eles podiam escolher qual fazer. Para fazer isso, precisa observar a criança. Quem ela era? Qual sua história, do que gostava, o que precisava para poder ser em plenitude?
Sou mãe da Yasmim e do Ítalo e, ao buscar uma escola para a minha filha, encontrei a Casa Escola Estrelinha do Mar, que já vinha “namorando” a algum tempo, fazendo visitas para observação. Que diferente este lugar! Depois, uma parceria surgiu naturalmente. Um Projeto de Música que unia as crianças da Estrelinha do Mar e minhas crianças, da rede pública. Neste período, a minha sala de aula era muito colorida. As estantes, tinham prateleiras pintadas e estampada à mão, pelas crianças: uma de cada cor. Carla Ramires, então diretora e proprietária da Casa Escola, em uma visita me perguntou:
- Bonita a sua estante, mas me pergunto, o que você quer que a criança veja? A estante ou os materiais que estão sobre elas?
Neste momento, me pareceu que um véu estava sendo retirado dos meus olhos. Como eu nunca tinha visto aquilo antes? Era uma confusão de cores! As prateleiras com seus desenhos se confundiam com as cores dos jogos que estavam sobre elas. Descobri que temos olhos “viciados” por padrões estabelecidos socialmente e que, muitas vezes não contemplam as necessidades reais das crianças. Isso foi só o começo!
Em 2009, após 10 anos de sala de aula, recebi o convite de assumir a Direção, juntamente com Adriane Lessa, da Escola Municipal de Educação Infantil Marieta Ferreira Lessa, com aproximadamente 200 crianças. Um grande desafio! Conversando com os professores sobre as necessidades da escola, surgiu a questão do desejo de inovação pedagógica. A Carla Ramires tinha o Projeto Beija-flor, juntamente com a psicóloga Leniara, que consistia no atendimento de algumas crianças que apresentavam dificuldades em seu desenvolvimento. Os professores e família destas também eram contemplados. Surgiu o primeiro desafio! O Projeto usualmente acontecia dentro da Estrelinha do Mar, mas a Escola Marieta se localizava na periferia da cidade, bem distante do bairro da Estrelinha. As famílias não teriam como levar seus filhos para o atendimento no projeto. Então montamos uma sala adaptada para o Projeto acontecer. Assim se fez! Organizamos um espaço e a Carla trouxe materiais montessorianos. Imaginei que as crianças, ao entrar naquela sala, iam ficar muito agitadas e eufóricas. Tantas novidades! Qual foi a nossa surpresa ao ver a Carla caminhando em uma linha desenhada no chão, e cantando suavemente. As crianças começaram a segui-la, num balé harmônico e extraordinário.
- O que é isso? - É Montessori, disse Carla.
Nos deu o livro “A criança” e nos convidou a estudar. Assim, encontramos o nosso caminho para a renovação pedagógica.
Surgiu o Projeto “Crianças Semente, Cultura de Paz”, envolvendo o Berçário da Escola e a formação continuada de todos os professores. A mudança foi intensa. Cobertura de piso e as paredes, que eram coloridas e estampadas, deram lugar a tons suaves. Estantes foram construídas pelo Rafael, vigilante da escola, que também participava das formações e se tornou um grande parceiro do projeto. Materiais foram sendo confeccionados pelos professores e um artesão da comunidade. Os pais foram apresentados para o projeto e convidados a participar. Como exemplo, quero citar a colaboração de uma mãe, catadora de lixo, que trouxe uma bandeja encontrada dizendo:
- Olha diretora! A bandeja é lisa, de uma só cor, para deixar o material em contraste!
Isso é Montessori! Dignidade e acesso a todos. A formação continuada dos professores teve a participação especialíssima de Maria Elizabeth Fassa.
O Projeto teve muito sucesso! As crianças fluíam, com autonomia e independência. Fomos convidadas a apresentar o Projeto no Fórum Social Mundial em 2011, em Dakar/Senegal/África. Recebemos também, a visita ilustre de Phil Gang, para conhecer o projeto, o que muito nos ensinou. Assim, conhecer e estudar Montessori passou a fazer parte da minha vida, modificando meu ser enquanto profissional, mãe e mulher.
Após o fim do período de gestão nesta escola, novo desafio se instalou. Materializar um Centro de Pesquisa Lúdica – uma Brinquedoteca Municipal, que atendesse todas as escolas, da Educação Infantil e Séries Iniciais e Educação Especial, também contribuindo com a Formação de Professores. Juntamente com Liana Pinto Tubelo, o Espaço Fênix – Centro de Aprendizagem - Brinquedoteca Municipal de Capão da Canoa, RS, foi inaugurado em 3 de julho de 2012. E agora? Como ficava Montessori neste lugar? Brincar e trabalhar com materiais de desenvolvimento humano é possível num mesmo espaço? Busquei então me aprofundar nos Estudos e fui fazer a Especialização lato-sensu em Montessori, com a mestra Talita Almeida, concluído em 2013. Considero um dos maiores privilégios que tive na minha trajetória. Estudar e conhecer Talita Almeida é entrar em contato com a história viva de Maria Montessori no Brasil. A filosofia e essência que embasam o método convida a irmos além do que os olhos veem. Uma noção de responsabilidade e reverência passou a me conduzir.
A brinquedoteca tornou-se um espaço com inspiração montessoriana. Fazemos o Ritual de Acolhimento em Linha. Possuímos uma área de Vida Prática e disponibilizamos materiais de Linguagem, Sensorial, Matemática e Educação Cósmica, inseridos nos Setores Lúdicos segundo a Associação Internacional de Brinquedotecas, juntamente com os brinquedos antropológicos e culturais. Na organização do espaço, os preceitos montessorianos tornaram-se fundamentais, favorecendo o diálogo do meio com a criança e sua autonomia. Nossa mediação enquanto brinquedistas são conduzidas pelos princípios de observação e apresentação de um professor montessoriano, bem como o favorecimento da imaginação e a ausência de estereótipos ligados à fantasia. Sabemos o quanto nos falta, pois adaptamos e construímos materiais, buscando manter o rigor científico. Trabalhamos com materiais de origem natural, evitando o uso de plástico e derivados. Não somos um espaço montessoriano. Apenas buscamos dar acesso às 56 mil crianças atendidas, em 7 anos de projeto, e aos professores que aqui passam, aos materiais de desenvolvimento humano e alguns fundamentos do Sistema Montessoriano.
Após a conclusão do curso de especialização, busquei o Mestrado em Educação (PUCRS) dando origem a dissertação “Redescobrir – a formação de professores em uma brinquedoteca com abordagem montessoriana” (disponível em http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/7230) investigando a influência desta brinquedoteca na formação dos professores que estiveram em atendimento ludopedagógico. Na pesquisa, a influência do Método montessoriano tornou-se evidente. Fui professora da graduação em Pedagogia na UNICNEC (2014-2016), reorganizando uma brinquedoteca universitária com atendimento à comunidade, baseado na experiência do Espaço Fênix.
Montessori entende a educação como ajuda à vida, portanto, o processo de formação é contínuo e infinito. Deste modo, nosso trabalho na brinquedoteca tem influenciado muitos educadores à busca de conhecimento dentro da filosofia montessoriana, surgindo a necessidade de um curso de especialização em Desenvolvimento Humano e Método Montessori ministrado pela prof. Me. Maria Elizabeth Fassa, prof. Esp. Carla Ramires, prof. Esp. Enaira Fernandes, no qual um grupo maravilhoso de professoras surgiu, fomentando novas salas inspiradas em Montessori na mesma escola em que Adriane Lessa mantém a sua há 9 anos. Seguir em Formação, buscando cursos diversos e a leitura diária das obras de Maria é uma questão essencial, tão necessária como o ar. Neste contexto, cito Márcia Riguetti, Sônia Maria Braga, Sérgio Murillo e Gabriel Salomão, como referências nos estudos continuados, nutrindo com ciência, o intelecto e a alma.
Hoje sigo trabalhando no Espaço Fênix – brinquedoteca e contribuindo também com Formação de Professores através de Cursos, Seminários e Congressos, incluindo os professores da Rede Pública de Bagé/RS, juntamente com Carla Ramires, bem como tendo a oportunidade de levar Maria Montessori à outros âmbitos através de sessões escritas em página digital como a Brincadeiras e Jogos com 1 milhão de seguidores.
Enfim, este é o “ponto” onde me encontro. Mas todo ponto, é de todo, uma esfera. E da esfera, fez-se o Verbo.
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